domingo, 26 de dezembro de 2010

Mensagem

Estamos às 14h, e foi-me dito que existe uma hipótese de transplante para hoje. Essa hipótese só será real se os testes de compatibilidade em curso permitirem o transplante. Por isso até às 18h nada se deve saber de concreto para além de ter de ficar sem comer nem beber. Assim, se não voltar tão depressa aqui é porque se concretizou positivamente e os meus amigos terão de obter novidades por outras vias. Se a hipótese não se concretizar, mal saiba voltarei ao blog.
Wish me luck!!!

Um grande romance


"Leite Derramado" lê-se de um jacto, prende, interessa e está escrito com muita inteligência, elegância e humor. Quem esteja habituado às letras das canções de Chico Buarque, vai encontrar ali os seus traços. O que poderia ser um romence mórbido, saudosista e triste (pois trata-se de um monólogo de um homem num miserável leito de morte) é algo de fresco, arejado e de humor tão refinado que nos agarra do princípio ao fim, quase como um romance policial...


A história de Eulálio Montenegro d'Assumpção, nascido em 1907, e já centenário, mostra-nos de forma simples um pouco da história do Brasil, enquanto país de grandezas e misérias. Um homem que se vai tornando num pobre, pois outros se aproveitarão dele (será?), mas está sempre convencido que o seu nome e a sua linhagem lhe abrirão portas que há muito estão fechadas. Depois a memória desfiada deste moribundo faz o resto. Essa memória que sai por camadas, sendo que com frequência as camadas se misturam, por várias épocas históricas do Brasil, numa descrição simultâneamente delirante mas lógica. Atravessando todas as memórias a grata imagem da sua esposa Matilde, que o abandonou logo após o casamento com a filha Eulalinha ainda lactente. O destino de Matilde vai-nos sendo descoberto estre as certezas e as dúvidas do marido e esta acaba por ser também a segunda principal figura da obra.


Do melhor que tenho lido nos últimos anos e recomendo nesta altura em que há algm tempo para ler. Aos poucos vamos perdendo um grande cantor e escritor de canções mas vai-se ganhando um grande romancista da lusofonia.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Cabrito ao almoço

O almoço de dia de Natal é, a par do de Ano Novo, o mais importante do ano. Mesa farta, família à volta da mesa, crianças correndo esbaforidas pelo entusiasmo da nova playstation, e outros lugares comuns, alguns deles nem a crise coartou este ano.
No meu caso alguns desses elementos não estiveram presentes (felizmente...), mas por boas graças da Maria Augusta, houve cabrito (o prato mais típico da época), tarte de amêndoa da D.Graça, e até um melão de 6 estrelas, para além da emoção e do afecto, hoje toldado com alguma revolta. Mas deus me perdoe, tem dias assim, em que apesar de me ser concedido o maior bem, ver a luz de um novo dia, e ainda por cima o de Natal, o nosso coração sente uma pontinha de egoísmo, e sentimos que somos puxados por uma queixa acerca da nossa situação, que tolda o dia como uma nuvem cinzenta que passasse sem ser esperada.
No final ainda recebi uma prenda de alto valor estético e que só vou poder apreciar em casa, mais tarde, o album "Fotografias" de António Barreto, obra de uma beleza indiscritível.
Há dias assim.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Consoada para três


Muitos dos meus amigos irão pensar como irei passar esse momento em que crentes e não crentes se transfiguram com a imagem de "alguém muito maior/talvez homem também".

Neste caso vamos fazer uma consoada a três. Com beneplácido dos enfermeiros, eu e a Joana e a Inês, vamos fazer assim uma espécie de pic nic, nesta mesa de cabeceira, com o material que elas trouxerem de casa, e durante a hora da visita, das 18h às 20h não irá faltar o precioso bacalhau com as couves e as batatas que virão de casa acondicionadas em caixinhas de plástico. Doces, alguns mas não muitos, eu próprio não estou para aí virado.

Pode-se perguntar se não sinto a falta de outras pessoas a meu lado. Claro que sinto !!! mas todos os outros anos sinto, e sentimos quase todos. Não vale a pena crer na utopia de que o Natal junta o que o resto do ano separa, pois isso é apenas uma ilusão.

Depois da consoada cada um vai seguir o seu caminho. O meu é para a cama, após um pouco de televisão, para limpar o cérebro, a Inês vai acompanhar a avó, que nada quer e tudo espera, tendo ela a mais dificil tarefa, pois não sabe com que humor será recebida, a Joana, talvez a mais feliz de todos os três, vai trabalhar no hospital.

E assim se conclui esta consoada a três que mostra não ser necessário copos de pé, pratos Vista Alegre, toneladas de comida e conversas da treta entre pessoas que passam o ano de costas voltadas, para se consoar de uma forma "santa" (como se diz nos telejornais). De resto Bom Natal para os leitores deste blog!!!

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O estar, o ser e o esperar


Neste momento em que me sinto bem, mais de que "esperar", previligio o "estar" de acordo com o meu "ser", o meu modo de existir e de ver as coisas que me rodeiam.


Deixei de olhar a porta à espera da grande notícia e passei a organizar o meu dia, sem contar com nada.


Inicio pelas 7h30, quando me acordam para os primeiros controlos e terapias, e ouço rádio até cerca das 9hoo, quando é servido o pequeno almoço, e continuo a ouvir rádio até cerca das 10h00, hora que, em média, vou ao banho, por meu pé mas com ajuda de um auxiliar, que me apoia da melhor forma.


Regresso e vou directo para o cadeirão, onde toda a fieirada é ligada, para que não fuja deste local aprazível. Então escrevo o meu diário manuscrito, um balanço da véspera e uma projecção do dia, para que nada esqueça dos factos passados. Em geral desse diário sai uma ideia para o blog que escrevo de seguida. Pelo meio servem um iogurte que como com frutos secos. Consolador!!!


Se tiver tempo posso ainda ler umas páginas até ao almoço, servido pelas 13h15.


Aí procuro ver os diversos noticiários generalistas e do cabo até cerca das 15h, hora a que me deitam para uma sesta que pode durar até ao lanche, 16h30, ou não durar nada, se não adormecer, o que por vezes sucede.


Do lanche em diante leio na cama, até cerca das 18h; posso também ver algo na net. Pelas 18h levantam-me e vou ficando no cadeirão a ler até ao jantar, ou até à chegada de alguma visita, o que ao jantar sucede sempre. O jantar é servido pelas 19h15, e a partir das 20h até às 22h, volto aos noticiários, e tenho visto os debates presidenciais, devendo ser dos poucos eleitores que têm visto esses debates (salvo os jornalistas e os comentadores), tal o nível de interesse que suscitam.


Por essa hora deitam-me e pelas 22h30 vem um chá e os comprimidos, nos quais se incluem a pílula milagrosa que me faz dormir.


Pelo meio e sem hora prevista temos ainda 15 minutos de fisioterapia (de manhã em geral), e um tempo variável de conversa com a psicóloga, bem como uma verdadeira "visita de médico" diária, que pode demorar de 1 a 5 minutos.


Esta é a minha organização do "trabalho" diário, como se estivesse num escritório . Se pelo meio vier a notícia que espero, melhor, mas a espera saiu da minha rotina.


Este escritório tem, no entanto, uma particularidade. O empregado está preso à parede, como nos tempos da Inquisição os presos eram agrilhoados às paredes húmidas das masmorras.


Bem, também não exageremos...

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Mais ofertas


Já que falei de ofertas, ontem também recebi da Maria Augusta, o livro de Chico Buarque, "Leite Derramado" e sobre o qual alimento as maiores expectativas. Mais tarde quande ler voltarei aqui ao assunto.
Trata-se de um autor de que muito gosto como cantor e escritor das letras sempre inspiradas das suas músicas, mas também, desde que li o seu anterior livro "Budapeste", passei a apreciar como romancista.
Tenho mesmo a sensação que a sua fase de escritor de canções tenderá aos poucos a dar lugar a um grande escritor da língua portuguesa.
Mais tarde veremos.

Uma belíssima oferta feita ontem pelo meu amigo Luis Mira, que me visitou aqui no hospital. Um album com todas as capas e informações acerca da "Discografia Portuguesa em 45 rpm" dos Beatles. Trata-se de um verdadeiro objecto de coleccionador, com uma apresentação gráfica irrepreeensível, e um trabalho de recolha de informação excepcional. É da autoria de Abel Soares Rosa (amigo do LM), e os fundos da sua venda vão para a associação ACREDITAR. Que linda prenda de Natal para todos os irredutíveis dos Fab Four, nos quais eu me incluo. Diria que esses irredutíveis acreditam na infalibilidade artística dos The Beatles, tal como os católicos acreditam na infalibilidade do Papa. Tudo o que criaram é bom e vale a pena ser ouvido.


Para além da capa do album que reproduzo acima, e que é uma cópia fiel das velhas capas amarelecidas pelo tempo, incluo aqui para que quiser ouvir um dos EP lá referido (recordo que os EP tinham 4 músicae e custavam à altura 45 escudos (1967), e foi o primeiro disco que comprei na minha vida, tinha então 14 anos, feito o 5ºano do liceu e como prenda os meus tios ofereceram-me um gira discos mono, caixote cuja tampa se separava e servia de altifalante, já usado, pois decidirem comprar os então em moda móveis com gira discos e rádio incorporados que ficavam bem no recanto da sala. Este disco EP é "Penny Lane", mas que continha também "Strawberry fields forever ", "Tomorrow never Knows" e "Love you too". Uma pérola.


Bem haja pelo prazer que me deste.


terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A relação dificil dos enfermeiros com os interruptores


Para a maioria dos enfermeiros os interruptores são um adorno. Uma vez aceso não serve para mais nada. Cada cama tem uma luz individual, mas essa não substitui a belas 8 lâmpadas fluorecentes do tecto, que permanecem acesas das 7h às 23 ou mais. Se se espera um doente, é preciso a luz acesa. Se se vai transferir um doente, sem a luz acesa não pode ser. Felizmente aqui no meu canto já consegui convencer os enfermeiros da inutilidade, e pior, do incómodo de tanta luz, e a mim procuram respeitar o meu desejo, mas também aqui só há duas camas. Não se poderia acender quando necessário, apagar se não faz falta, e manter luzes individuais para os doentes que precisem de usufruir delas? Não, não pode ser, porque para o enfermeiro o interruptor só funciona num sentido, para acender! Para apagar é preciso prova assinada e juramentada de que nas próximas 12 horas não volta a ser preciso acender. Tanto se poupava, tanto se ganhava em comodidade, se fosse feita uma sensibilização à volta deste tema. Tão simples!!!
E como diz o outro senhor careca e rechonchudo que aparece em todo o lado "o ambiente agradece".
PS: não descarto que o facto de nos espaços comuns, como corredores, a própria instalação não ter circuitos separados, o que permitiria apagar parte deles, durante a noite, por exemplo, seja um factor de dificuldade e de incentivo a maus hábitos.

Em defesa da musculatura....


Não sei se já referi mas tenho tido também umas sessões de fisioterapia, que visam sobretudo a respiração e a defesa dos músculos, cuja imobilidade e pouco alimento, conduzem a uma situação de atrofio galopante. Tenho tido até alguns progressos pois já vou a banhos a pé (ou pelo meu pé, melhor dizendo), e é nitido que os músculos, apesar da magreza, lá se vão ainda notando por debaixo da pele, bem coladinhos aos ossos.

Agora a chefe das fisioterapeutas, a Drª etc e tal, decidiu também que fizesse terapia ocupacional. Coisas lúdicas diz ela. Estou um pouco desconfiado, pois não sei se me vai pôr a brincar com uma bola, ou a atirar patinhos de borracha e a jogar à batalha naval. Mas como chefe é chefe, esperemos para ver essa "nova" terapia que me vai ser "proposta" e de que nada me disseram nem explicaram.

Parece, segundo ouvi dizer, costuma ser muito aplicada em doentes a recuperar de AVC, o que ainda não é o caso. Entretanto espero que a fisioterapia prossiga, em defesa da minha "musculatura" que precisa de não definhar.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Apoio psicológico


Pois é. Neste local nada falta, pois até apoio psicológico estou a ter. Talvez algumas pessoas que conheço me tenham ouvido duvidar da eficácia de tais apoios. Dizer que " qualquer conversa com um amigo o pode substituir". Não será de todo mentira, mas que o apoio psicológico tem muitas potencialidades tem mesmo.
Alguém que fala comigo quase todos os dias, e que faz as perguntas que me fazem pensar acerca da minha vivência neste local, a quem posso fazer as perguntas que me perturbam, que escuta aquilo que digo e procura reformular em novas abordagens, que procura relacionar a presença neste local, com as experiências de vida.
Alguém que entra na porta e me causa agrado. Trata-se de uma abordagem diferente, em que a conversa nada tem a ver com a que temos com os nossos familiares ou amigos. É uma conversa em que se sente um sentido, uma lógica uma organização, que não me violentando, me faz sair alguns dos demónios que me atormentam num local onde a espera é interminável e o desfecho incerto.
Deu-me também algumas ideias úteis que tento aplicar para melhor ultrapassar momentos em que a cabeça vai para onde não deveria ir.
Se se podia estar aqui sem apoio psicológico, podia, mas não era a mesma coisa !

domingo, 19 de dezembro de 2010

Natal dos que ainda não lêm este blog

Já aqui falei do meu Natal, um Natal simples e com esperança. Vou agora falar para aqueles que ainda não lêm estas palavras. Rafael, 1 ano, viciado no colo da mãe, João Miguel, 3 anos, o traquinas, Carolina, 6 anos, energia e manha concentrada num corpo de passarinho, Joana, 13 anos, teenager assumida, discrição e inteligência. São os netos. Dedico ainda a pessoas que não lêm pois vêm aqui muitas vezes e me acompanham ajudando ao meu conforto, a Maria Augusta, a Inês e a Joana. Pois para eles vai também o meu pensamento e a partilha deste Natal muito simples, pois sei que esperam a qualquer momento que entre pelas suas casas restabelecido e pronto a "brincar" com eles, cada um à sua maneira. Para eles deixo este vídeo de Natal que já deve correr mundo, e tem som.

sábado, 18 de dezembro de 2010

O meu médico


Vocês, estimados leitores, já viram o que é ter, numa instituição que deve ter centenas de médicos, aquilo a que chamamos "o meu médico" ? E seguramente existem mais de dez que se ocupam de mim, cada dia uma cara nova, um com bata, outro de calças de ganga, homens e mulheres, que me fazem as mais diversas perguntas, algumas contraditórias entre si, auscultam à velocidade da luz, fazem caras simpáticas ou fecham-se num ponto de interrogação. Mas esses não são "o meu médico". Esse é outro. Não direi o nome, ele próprio não gostaria, é discreto, acompanha o meu presente em nome do meu futuro (o transplante), quase todos os dias me visita, nem que seja um aceno da porta da enfermaria, faz-me poucas perguntas, mas coerentes, com o meu objectivo final, fala pouco, mas em poucas palavras diz o que é preciso (nem demais nem de menos), responde a qualquer pergunta que faça, mesmo delicada, com sinceridade e um ligeiro sorriso nos lábios, derrama esperança pela sua tranquilidade que não pelas suas palavras que são sempre parcas e resumidas ao essencial, sinto empatia com ele, mas tal não deriva de palavras mas de actos simples e cativantes. Que bom eu poder ter, nesta instituição de centenas de médicos "o meu médico" e ele ser assim.

Natal simples


Lembram-se do "Natal dos simples", de José Afonso, que começava "Vamos cantar as janeiras/vamos cantar as janeiras/por esses quintais a dentro vamos/ás raparigas solteiras", pois eu este ano vou ter um destes natais simples . Se não houver nenhuma "intercorrência", como diz na sua linguagem o meu médico, passarei o Natal e Ano Novo aqui neste hospital; única dúvida, será no 2º andar (onde me encontro), ou no 3º andar (cirurgia, onde queria ver-me rápido).

A minha relação com o Natal costuma ser agridoce. Para estar com uns não posso estar com outros, e este ano tal não se irá passar, o que é uma vantagem.

Outra ainda, como vejo pouca televisão e só ouço rádio sem publicidade, nem parece Natal. Aquele Natal que bombardeia todas as horas e minutos com as ofertas, as promoções, os telemóveis, as bonecas que arrotam e fazem cócó artificial sem cheiro, ou os exterminadores que matam de forma implacável, este ano para mim não existe.

Fica apenas a recordação do Menino Jesus e do sapatinho pequenino onde mal cabia uma prendinha. Agora o sapato é posto em cima de um monte que chega para cima do meio da parede e falta sempre aquela prenda que afinal valia mais que todas as outras juntas, e que ninguém se lembrou de dar.

Eis o Natal que vou ter este ano: um Natal dos simples.

E para não dizer que fui forreta que não me lembrei daqueles que vêm a este blog com regularidade, aqui deixo dedicado a todos um poema de Natal do autor que terminei agora de ler e já citei várias vezes, Fernando Pinto do Amaral. Reparem que palavras tão simples mas tão cheias de profundidade natalícia, e que a crentes e não crentes interrogam.


"Cai a noite está frio
e súbito perpassa
por nós um arrepio
a anunciar a graça


de sermos talvez mais
que simples humanos
decifrando sinais
que não passam de enganos


Cai a noite serena
sobre a nossa agonia
e repete-se a cena
que de novo inicia


uma história de amor
entre os homens e alguém
talvez muito maior
talvez homem também


Cai a noite e eu espreito
o que em silêncio brilha
no escuro do meu peito
no olhar da minha filha."


É uma visão muito intima e pessoal do Natal que nos remete para "uma história de amor/entre os homens e alguém/talvez muito maior/talvez homem também". Procurarei pensar nisto neste Natal hospitalar virado decerto para a introspecção e menos para as actividades festivas. Já agora Bom Natal a todos !!!!!

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Imobilidade


Um dos problemas que me afecta aqui é a tendência para a imobilidade, pois os meus movimentos resumem-se a cama cadeirão e vice versa, e idas ao WC para banhos, e ainda de cadeira de rodas. Perdi nestes 3 meses oito quilos, mas o mais preocupante é perder a massa muscular, embora esteja em sessões de fisioterapia, vai desandando, o que me levanta dificuldade em estar de pé ou andar.


Pois agora, que me tenho sentido melhor já vou ao WC por meu pé, e sinto-me seguro nessas pequenas deslocações. Parece pouco para um saudável, mas aqui aprendi a valorizar estas pequenas victórias sobre a minha incapacidade.


Muito se aprende aqui sobre a vida, a sua fragilidade, e de quanto os nossos pequenos gestos diários são o resultado de um mecanismo de relojoaria em que tudo tem de se encaixar e funcionar como um todo, uno, perfeito e viável.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Profissionais


Há uma questão que não tenho falado aqui, mas hoje que estou bem disposto e já vou no terceiro post, é o dia.

Tenho de referir o profissionalismo e a competência destes homens e mulheres da Unidade de Cuidados Intensivos/Intermédios de S. Marta. Numa altura em que a tendência é vilipendiar o SNS, o serviço público, esta gente arregaça as mangas e em permanência corre até à exaustão para que nenhum pedido de ajuda ou socorro fique sem resposta.

Reconheço que este serviço não está imaginado para doentes de longa duração, como é o meu caso, sou aqui caso único neste momento, mas isso não impede que, com os meios que têm, e tantas vezes são escassos, se excedam em simpatia, amizade e se desdobrem em esforços.

E aquilo que eles aturam, meu Deus... só estando aqui se pode ter ume noção do estado de certos doentes, e do seu comportamento, exigência que roça a má educação (talvez por descompensação, desorientação), mas que não os faz perder a cabeça.

Não imagino certos enfermeiros de outros hospitais que conheci sobreviverem a uma semana aqui, tal o ritmo. E que grande coração é preciso. Já ouve vários óbitos, outos doentes com urgências imediatas (eu próprio...)

Mas para não dizer só bem, há algo que bem podiam melhorar, o ruído. Sei que são quase todos muito jovens, mas por vezes excedem o neccessário, e tornam a unidade insurdecedora, a que só os meus tampões de ouvidos, que coloco com frequência, vão resistindo como podem. Aqui poderíamos dizer que para o doente o silêncio é de ouro, mas para estes grandes profissionais é apenas de lata.

Obrigado a todos eles.

Agradecer cada dia

Tenho já dito aqui neste blog que a minha estratégia passa por apenas agradecer o dia que me foi concedido, e ter sido feliz nesse dia, e pedir a um deus, com quem me relaciono directamente, que me conceda ver a luz do dia de amanhã. Só assim, sem planos elaborados, sem objectivos a prazo, se pode aceitar sem revolta (que jamais senti), estes dias mais dificeis.
Parece que a insónia de que falei ontem começa a estar dominada, graças àqueles pans que vou ingerindo (será que sem eles teria chegado à insónia???), e isso é meio caminho para um dia mais desperto e de cabeça mais limpa.
Continuo com o Fernando Pinto Amaral, e não resisto em citar parte do poema "Agenda" no qual meditei e todos deveríamos meditar:

"Marcas de novo os dias mas ignoras
as leis dessa contagem regressiva
Hoje sabes apenas que nenhuma
agenda te dirá qual a exacta
data do decisivo derradeiro
encontro Desconheces
que páginas futuras deixarás
em branco "

E assim acontece


Morreu o jornalista Carlos Pinto Coelho. Dificilmente alguém neste país pode ter passado ao lado deste "monstro" da comunicação, goste-se ou não do seu estilo comunicacional, e confesso que não era dos meus preferidos, na sua voz pausada e em que as palavras eram pronunciadas uma a uma. Não interessa!!! o que interessa é que este homem fez mais pela cultura em Portugal que todos os intelectuais e pseudo-intelectuais juntos.

Vi-o em público em Junho deste ano, numa sessão organizada pela Biblioteca Municipal de Lagoa, e recordo a sua verve fácil, o interesse das suas palavras, algum humor velado nas suas intervenções. Eu próprio tive oportunidade de lhe fazer algumas perguntas a que amávelmente respondeu, como a todas as outras que lhe fizeram. Exemplo de gentileza, um "gentleman", mesmo quando criticava. Desde que um senhor para quem a cultura se resume ao boxe disse "se queremos dar cultura aos portugueses, mais vale pagar uma volta ao mundo a cada potuguês do que pagar o programa Acontece" que este homem banido da TV se dedicou a divulgação cultural em rádios locais, sempre ao serviço desta causa. Os artistas deviam estar-lhe todos agradecidos, e só em Portugal é que um comunicador desta dimensão se encontrava fora das quatro estações generalistas, e das outras em sinal fechado.

Aconteceu agora o que não devia ter acontecido, e ainda por cima no 3º andar de S.Marta, aqui mesmo por cima ao local onde me encontro. Deixa-nos uma grata lembrança.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Lutar contra a insónia


Agora apareceu um novo inimigo nesta guerra: a insónia. Não dormir, delirar, chegar a manhã mais cansado do que o adormecer.

O que se resolveu durante umas semanas com Lorezepam 2,5 mg, acabou por passar a 5 mg ( dose para adormecer o cavalo do Lucky Luck), e agora passou-se aos ansiolíticos. De Furosepam, a Zolpidem e agora um tal de Bromazepam, já percorri nestes últimos dias todos os Pans disponíveis, menos uma porrada na cabeça pelo Capitão Gancho, companheiro do Peter Pam. Parece que este Broma... ainda é o menos mau. Esta noite pôs-me a defender a minha mãe de uma predador sexual (coitada que nem é para aqui chamada), a viver não sei com quem num bairro degradado de um subúrbio de Sinn City, e, um pouco melhor, a passear com uma companhia que não identifiquei, numa cidade que parecia Berlim, ou outra da Alemanha, onde apreciei os monumentos e os locais donde foram retirados os judeus à força, o que apreciei (os locais claro...), até que ao virar da esquina deparo com uma marginal de mar encarpado que tudo ameaçava levar. Berlim ???? não me parece que o mar lá chegue, mesmo que o Hitler tivesse querido. Tudo isto e muito mais que não conto publicamente, agora dormir e acordar descansado é que não.

Pode ser uma fase, como me diz a psicóloga aqui de serviço e que me acompanha com muita simpatia e competência, de lavagem, de limpeza de algumas más experiências dos 15 dias de febres e debilidade, entretanto ultrapassados.

No meio desta confusão e desta luta contra a insónia só me apetece gritar bem alto ABAIXO OS PANS VIVAM OS PINS.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Domingo na cidade


Estes domingos passados na cidade são um pouco diferentes daqueles da canção que diz "Pinta os lábios de vermelho/passa meia hora ao espelho/mostra-me do que és capaz/hoje é dia de passeio/e enquanto eu me barbeio/passa o pente no rapaz".

Na realidade o domingo é o dia mais chato do hospital. O movimento de doentes aqui é muito reduzido, salvo raras urgências, tudo decorre com um ritmo lento e sem graça. A rádio não dá os meus programas preferidos, nada, nada, de anormal.

Mas hoje vou ter uma excepção a esta regra. Um grande acontecimento vai passar-se comigo aqui no hospital. A Inês vai trazer-me para o almoço, e eu vou devorar como caviar, um Double Cheese Burger com batatas fritas da MacDonald. Que acontecimento!!!! só não bebo Coca Cola por causa dos gases. E tudo isto sob o alto beneplácito da dietista de serviço, que me confessou sussurrando, que ainda ontem o jantar dela tinha sido ums coisa de nome estranho "rapper", será? também de igual proveniência.

Este acontecimento de domingo vai passar-se aqui no cadeirão habitual e penso que a minha filha aproveita e come comigo semelhante iguaria.

São convidados ???

sábado, 11 de dezembro de 2010

Reencontro



Após alguns dias, não poucos de ausência, eis-me de novo a dar novidades. Após o domínio da tal bactéria, e paragem de um antibiótico específico que tomei 14 dias, e que fez juz ao ditado, "não morre do mal morre da cura", comecei a sentir-me com mais força, a comer melhor e a poder começar a fazer aqulas tarefas que me mantinham vivo, como vir aqui ao blog. Não sei se por muito tempo, pois estou aqui em S.Marta desde 29 de Setembro e nada. Já ouve aqui um transplante de uma rapariga qque esperava à mais tempo do que eu , no dia 24 de Setembro, e já caminha por seu pé fora do isolamento. Isto dá-me ânimo de que a minha hora também vai chegar, e não vai demorar muito.


Aliás todos os dias antes de adormecer agradeço o dia que me foi concedido, e peço a deus que me deixe ver a luz do dia seguinte. Nada de médios ou longos prazos; prá semana não me interessa nem quero pensar nisso. Apenas mais um dia. Pois sei que num desses dias alguém vai entrar naquela porta e anunciar-me a operação.


De resto o meu ânimo permanece alto, agora que como melhor falta ainda dormir bem. Não acertaram ainda com a medicação adequada e passo boa parte das noites em branco.


A todos aqueles que continam visitando o meu blog, mesmo sabendo que podem não haver novidades peço que comigo mantenham a perserverança e visitem. Há sempre um dia em que a minha saúde mental me obrigará aqui vir para deixar palavras a todos vocês que não desistem de mim. Peço apenas que comentem nem que seja para dizer olá! nem sabem o bem que me fazem. E TODOS podem comentar sem problemas todos mesmo, já não há razão que impeça ninguém pois este blog só interessa mesmo aos meus amigos, e desses preciso de todos sem excepção.


Dedico a todos esta parte do poema de Fernando Pinto Amaral que estou a ler:


"Cada dia promete o infinito em meia dúzia de palavras

o amor, a vida, o tempo, a morte, a esperança, o coração"

Mas cuidado com a segunda parte do poema:
"Repete-as, repete-as muitas vezes em voz alta

e escuta a sua musica até não quererem dizer nada"

domingo, 5 de dezembro de 2010

Breve retorno

Após uma semana cheia de complicações, que nem conto, parece que hoje pela primeira vez me sinto melhor, para estar aqui a escrever. Desde arritmias a febre tudo me aconteceu, e com isto o meu transplante pára, até resolução dos diversos problemas. Já fiz análises e espero muito em breve retomar o processo. Depois é sempre uma sorte, entre haver dador compatível e eu poder receber. Um abraço a quem me lê e procura notícias quando aqui falho.