quarta-feira, 30 de março de 2011

Raymond Carver


Comecei a ler "O que sabemos do amor", de Raymond Carver. Tratam-se de contos, de um "realismo negro" se assim me permitem chamar, de um escritor americano, já falecido, julgo que em 1988, em que a temática passa pela relação entre homens e mulheres. Relações no limite, perturbadas, tocadas pelo alcool, a traição assumida, a vida sem sentido, o sentido de uma ou várias relações no fio da navalha, ou na modorra da rotina. Segundo algumas indicações, um dos maiores escritores de contos da literatura recente da América.

Seis meses de vida

Fez ontem exactamente seis meses que fui internado em S.Marta. Recordo bem esse dia, em que vim transferido de ambulância de Beja, acompanhado pela enfermeira Leonor. Tinha já uma semana de internamento em Beja. Essa semana foi particularmente traumatizante, pois embora soubesse ao que ía, quando da confirmação de que iria ser proposto o transplante, o desânimo pelo caminho a percorrer instalou-se. Quando cheguei a S.Marta disseram-me, sabe que vem para um longo período? sim, nem será um internamento, a partir de agora "passarei a viver aqui", e assim foi, por muito tempo. Agora que as coisas começam a tomar rumo, muitos dos momentos lá passados, vêm-me à cabeça, momentos maus, mas também bons momentos, em que vi as pessoas transcenderem-se para me dar apoio, para torcerem por mim, de forma a que a cabeça não estragasse, o que o corpo podía ainda fazer. Muita gente passou por aquela enfermaria, em geral durante pouco tempo, e eu ía ficando. Acabei por me habituar, esse "turn over" já não me tocava. Tinha direito a muitas excepções, por ser "residente". Desde logo ao telecmóvel, ao computador, a partir de determinado momento vinha muitas vezes comida de fora, trazida pela Maria Augusta e as minhas filhas, de forma que no dia do transplante, era domingo, e almocei um "Cheese Burger" com batatas fritas e tudo, vindo directamente do MacDonald. Que podia querer mais ? Quando olho o caminho percorrido, vejo lá muito atrás o início, os primeiros passos, e sinto uma imensa satisfação de com a ajuda de tantos, ter sido capaz.

terça-feira, 29 de março de 2011

O senhor que se segue

Não é da política, mas sim e ainda, o meu companheiro de enfermaria, do último internamento. Alentejano de sete costados, sentido de humor apurado, sempre uma palavra a propósito, muita energia mas pouca pachorra, pronto a ajudar, contador de histórias nato, e pelos vistos poeta popular. Tudo isto numa só pessoa, pedreiro, pouca formação muita cultura. Encontra-se há cerca de três meses esperando um novo coração, mas parece transpirar saúde por todos os poros. Para preparar o transplante teve de arrancar todos os dentes, todos não, apenas 24, e num dos exames esteva á beira de lhe ser detectada uma ineficiência pulmonar que inviabilizaria a operação. Fala com todos de igual para igual, médicos, enfermeiras, pessoal da limpeza, tudo e todos "manipula", para tentar obter o que quer. No bom sentido da palavra. Na passada segunda feira, teve a sua primeira oportunidade. Mas após uma tarde de enorme satisfação, esperando a confirmação, foi inviável por ausência de compatibilidade com o dador. Uma experiência que não se deseja. Mesmo assim na passada quinta feira estava de novo animado. Espero na próxima quinta feira, pois aí estarei de novo, já não o encontrar, mas sim no 3ºandar de orgão novo. Há pessoas assim. Boa sorte amigo.

Outra visão da crise

Neste artigo publicado hoje no Jornal i, do já muito badalado, criticado, citado, e outros ados, Paul Kruger, apresenta-se uma outra visão da crise. Embora se refira Portugal dá-me a ideia que sobretudo se fala dos EUA, os países que não se encontram no sufoco que sabemos. Teria sido viável ?

segunda-feira, 28 de março de 2011

Percursos

Andar, procurar andar o mais que possa, tem sido a minha estratégia nos últimos dias. Na barragem do Monte da Rocha, no Castelo, ou na rua aqui mesmo junto a casa. Sei que me arrasto um pouco, mas cada dia sinto que é um pouco mais fácil. São passos, que me enchem de energia, e que libertam a cabeça de pensamentos tóxicos, e de alguns maus humores. Deixo de pensar em termos de doença para pensar em reabilitação. Sim a Cláudia tem razão no comentário que fez. Terei de ser cada vez menos o "doente" para ser alguém que recupera. Faz toda a diferença.

domingo, 27 de março de 2011

Três meses de convívio


Faz hoje três meses que convivo com esta nova realidade de trazer, aqui mesmo dentro em local de privilégio um "novo" coração.

Foi um momento muito esperado, e desejado, com muita força. A situação que vivia na altura só podia ter uma classificação, era terminal. Ninguém tem um mínimo de qualidade de vida com um coração cujo nível de função cardíaca se situa nos 13%, o que quer dizer que apenas 13% do sangue era bombeado pelo ventrículo para a circulação, ficando os restante retido a dilatar esse ventrículo. Normalmente esse valor situa-se acima dos 70% !


Isso mostra a urgência da situação. Após o transplante a situação normal foi reposta, e a reacção tem sido positiva com uma recuperação que, sendo sinuosa, tem tido sucesso no seu essencial.


Alguns avanços e recuos, muita medicação, e um grando apoio da Maria Augusta bem como do Hospital S.Marta e do Centro de Saúde de Ourique, têm feito o resto, e procurado que o longo pós operatório se torne mais eficaz e com menos riscos.



Agora comecei a andar na rua, embora com os limites dos meus músculos em serviços mínimos, mas penso que o peso sobre as pernas, o movimento, mesmo esforçado, me têm melhorado muito a mobilidade.




Fiz agora um interregno neste blog, para repensar aquilo que aqui tenho colocado como posts. Eu chamo-lhe blog egocêntrico, pois é um blog que dada a situação, tem girado em torno do umbigo. Terei de mudar isto, pois o meu umbigo, na medida em que alguma "normalidade" possa chegar, é igual ao umbigo dos outros... Sei que alguns amigos que aqui vêm, procuram saber novas de mim. Mas cada vez mais eu não me posso confundir com a minha doença, que até já não é doença mas terapia para a cura...



Assim outros assuntos do meu tempo terei de abordar. A passagem e ocupação dos dias deixam-me tempo. O tempo é para mim demais, ao contrário da maioria das pessoas. Procuro ocupá-lo estando atento. Nos jornais, net, livros, escrita, etc. Abri página no Facebook, mas francamente ainda não percebi para que serve, pois grande parte do que lá está é lixo, de qualquer forma interessa-me explorar, entrar por terrenos ainda não calcorreados. Procurar fazer aquilo que aplico agora na minha vida: evitar que me forneçam soluções, e procurar eu próprio as formas de fazer compatíveis com o meu estado (físico, psíquico).



Três meses é pouco para tirar conclusões, mas tiro as que posso. Sou uma pessoa com outra saúde, com personalidade mais instável, mas com uma autonomia razoável, adquirida em pouco tempo. Sei que dou outro valor às coisas, sobretudo as mais simples e institivas. Gostaria de dar ainda outros rumos, mas é cedo. Faltam-me forças, que espero venham com o tempo, com o esforço que estou a fazer para me mexer, para me alimentar (que não é esforço, pois fome não me falta...) e para me tratar.



Uma nova vida para ser vivida, mas devagar...

terça-feira, 22 de março de 2011

A segunda casa

Após o regresso a casa, e devido a algumas complicações que entretanto foram aparecendo, o transplantado nunca está sozinho, tem vindo um sentimento de revolta, que na realidade faz pouco sentido. Mas sabe-se que o controlo por vezes se perde, e acabamos por ser injustos, pois tenho de agradecer esta oportunidade, estando preparado também, para todas as dificuldades, pois tudo tem um preço.

Fácil de dizer, mas aplicar esse controlo, quando certas tarefas simples, nos interpelam como gigantescas, obriga a uma capacidade de aceitação que temos de ir buscar ao baú da nossa humildade, do poder de persistir e resistir. Viver, mesmo assim, tem de valer a pena! Apesar de tudo, acreditar que tudo é passageiro, que o tempo, embora não resolva tudo, dá uma boa ajuda.

A minha "revolta" acaba por ser também um acto de grande injustiça para com os outros, que empenham a sua energia, na minha recuperação, e não têm qualquer retorno do seu esforço para me puxar para cima.

Como me dizia hoje a minha médica de família, terei de voltar a ser aquela pessoa que antes do transplante aceitava aquilo que lhe estava destinado, e que apesar da gravidade da situação manifestava tranquilidade. Nada de ansiedade, e mesmo que alguma coisa esteja menos bem, neste momento ter sempre presente que S.Marta é a "minha segunda casa", mesmo para algumas "estadias" de quando em vez. E ainda bem que tenho esse local para meu apoio, nem todos tiveram ou têm essa "sorte".

Obrigado por me recordarem estas verdades.

domingo, 20 de março de 2011

As Bicicletas em Setembro


Este é o livro que tenha andado a ler, por vezes em alguns momentos nocturnos, em que o sono se vai. Depois do internamento decidi lê-lo de novo desde o início, pois o sentido de conjunto estava a perder-se. Romance de memórias imaginadas de uma juventude que se viveu ou terá vivido, história de Jesuína, personagem que após uma vida ainda não esclarecida, toma conta de crianças.


Como sempre em Baptista Bastos, a linguagem do romancista cruza-se com a factualidade do jornalista, daí ser daqueles que escreve de forma assombrosa.


Uns pequenos excertos para que pense quem quiser pensar, e faz bem pensar naquilo que ele escreve.


"(Jesuína) possuía a capacidade de se colocar no lugar do outro. Mas era uma mulher cheia de lágrimas. Hoje compreendo que Jesuína precisava de todos; a dor, como a solidão procura companhia"


"A dúvida e a indulgência são luxos que não podem ser oferecidos"


"Jesuína dizia: todos querem ir para o céu, mas ninguém quer morrer"


"Há muitas coisas que se não dizem ou só se podem dizer através do silêncio ou do olhar"


Voltarei mais tarde. Hoje demos uma bom passeio no Castelo e as minhas pernas parecem agradecer.

sábado, 19 de março de 2011

Mil e duzentos passos... cem de cada vez


Já tinha ido um dia ao Monte da Rocha andar um pouco, julgo que na quarta feira. Hoje, belo sábado de sol, voltámos.

Andar é um bom exercício, e a intenção era pouco a pouco ir fazendo, ao meu ritmo, distâncias que fossem suportáveis. A mobilidade caseira desenvolve pouco, pois as distâncias são muito curtas, e não permitem ritmo.

Assim fizemos, voltámos à Barragem, e a Maria Augusta fez o seu trajecto, que bem precisa de começar a caminhar, e eu com o meu passo indeciso, procurando dar uma imagem de firmeza, sustentada sobretudo nas meias elásticas, que são assim uma espécie de casca de banana das pernas, que lhes dão mais firmeza, onde o músculo falta, ainda dei mil e duzentos passos, uma centena de cada vez, intercortados por momentos de descanso.

No final sentia-me um pouco cansado, mas compensado. Eu sabia que o sol iria ajudar, e de que maneira. Amanhã vamos tentar outro percurso, para que todos os dias se faça um pouco, embora pareça a manhã mais indicada para tal, se não houver frio. Mais uma aprendizagem, mais uma simples actividade que desde há muito não praticava, e é tão óbvio, andar.

Mas o que está para trás pouco conta, tenho de criar novas "evidências" e novas "estratégias" para encarar a vida com novas ferramentas que me permitam chegar, por agora, aonde os outros chegam mas de outra maneira.

Há um filme de Truffaut, chamado "Quatrocentos golpes", dos anos 60, preto e branco, de uma beleza arrepiante, passado com crianças pobres em Paris. Pois esta criança hoje fez o seu filme, e chama-se "Mil e duzentos passos", deixou de ficar agrilhoado em casa (que exagero...)

Esperam-se sequelas...
PS: hoje foi dia do Pai e a Joana e a Inês esmeraram-se, e eu , claro, adorei. Tive direito a prenda, de que gostei bastante, carta com um postal saltitão, e ainda telefonema. é bom receber estes impulsos positivos, quando se está frágil. Obrigado.

quinta-feira, 17 de março de 2011

A sul e sueste nada de novo

Ida a S. Marta, algum receio, mas tudo correu bem.As horas foram longas, das 6h00 da manhã até às 17h30, mas a evolução é positiva, seja na parte cardíaca, seja nas restantes maleitas. Apesar de tudo, precisa de muito controlo. Amanhã falarei disso e doutras coisas.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Amanhã nova revisão

De novo de regresso a S.Marta, espero que não aconteça como da última vez em que fui por um dia e por lá fiquei vinte e três longos dias. O meu receio é que a bactéria que trazia não esteja ainda debelada e o médico opte por antibiótico intravenoso, o que tem de ser feito em ambiente hospitalar. Espero que não e ao final do dia, ou na manhã seguinte esteja aqui a dar novas.

Vai ser um dia de canseira, com saída pelas 6h00 e chegada sabe Deus quando...

Hoje precisava de falar com a minha médica de família mas há uns dias que não tem sido possível. Quem julgue que os médicos são de um outro aço, que se desengane, também são seres humanos com os seus problemas, e por vezes com mais dificuldade em os ultrapassar do que nós pacientes, que temos uma relação de afastamento, pois parte dos problemas não os compreendemos na mesma dimensão. Daí serem muitas vezes mais afectados por eles, e sobretudo pessoas como ela que se envolvem na história clínica dos doentes e familiares de uma forma intensa. Se algo se passa, força! (não sei estou apenas a supor, mas mando um abraço!!!)

terça-feira, 15 de março de 2011

Parece que os maus momentos se devem relembrar


Concordo. Todos os que me acompanharam, mesmo à distância, sabem os momentos críticos que passei. No passado dia 27 de Fevereiro, passaram-se 45 anos do nascimento de um dos mais talentosos e emotivos poetas portugueses, e eu, nada assinalei. Morreu cedo, em 8 de Agosto de 78. Trata-se de Ruy Belo. Para a Maria Augusta que acompanhou aqueles momentos de grande incerteza fica aqui o poema de Ruy Belo, escrito em circunstâncias idênticas de dura relação com a morte. É duro mas é a vida.


Contigo aprendi coisas tão simples como

a forma de convívio com o meu cabelo ralo

e a diversa cor que há nos olhos das pessoas

Só tu me acompanhaste súbitos momentos

quando tudo ruía ao meu redor

e me sentia só e no cabo do mundo

Contigo fui cruel no dia a dia

mais que mulher tu és já a minha única viúva

Não posso dar-te mais do que te dou

este molhado olhar de homem que morre

e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente


Poema de Ruy Belo


Felizmente ultrapassei esta fase, e não é dramático ou depressivo recordar estes momentos de que saí, e infelizmente o poeta não. Quem me viu nessa altura, no entanto, viu que jamais deixei de ver uma luz no dia seguinte. E a esperança salva, quando pode, e a medicina deixa. Em breve voltarei a outro Ruy Belo.
PS: hoje saí pela primeira vez para um passeio de 100 metros no paredão da Barragem do Monte da Rocha, fiquei muito bem disposto, e mais uma prova superada.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Frio de novo

Já gostaria de ter saido de casa, caminhar no exterior, uma vez que já começo a sentir forças para isso, apesar dos músculos tardarem. A fisioterapia, a comidinha caseira, e as meias elásticas, têm permitido uma recuperação que, embora lenta, me dão alguma confiança.

Infelizmente a chuva e o frio no Baixo Alentejo têm estado contra mim, e têm mantido fechado em casa desde que regressei, há oito dias. Assim os dias são iguais, embora aqui tenha muitas alternativas para fazer coisas que me agradam. Já nem me lembro de Hospital e só receio ter de voltar para lá... de qualquer forma é já na próxima quinta feira que lá terei de estar para mais das consultas de rotina.

O coração continua a funcionar como deve (suspeito...), apenas as "intercorrências" me chateiam, e boa parte delas deve-se à intromissão de agentes patológios de origem hospitalar, agentes muito resistentes, que dada a fragilidade do meu sistema imunitário se aproveitam da situação.

Assim no Hospital quando menos tempo melhor.

Agora da minha janela vejo uma "greve" de patrões de camions que me faz lembrar o que passámos há uns anos atrás, vejo um Sócrates desnorteado, vejo uma manifestação que deu um enorme exemplo ao país e uma bofetada de luva branca, preta ou da cor que quiserem a uma classe política, sem ideias, instalada, fechada sobre si própria, acantonada nos seus interesses mesquinhos, barricada na ideologia que já mostrou ao que leva, e que quer negar a uma maioria o direito a intervir, vejo anunciarem medidas como se fossem "donos" dos portugueses, e estes uma borregada cujo único papel é "comer e calar", além de votar de quatro em quatro anos a troco de umas esferográficas e de uns sacos de plástico.

Que triste vista da minha janela. Como se dizia no título de uma peça " E não se pode exterminá-los ?"

sábado, 12 de março de 2011

Um sábado para pensar


Um sábado em que estive boa parte do tempo sózinho em casa, pode entre outras coisas, servir para pôr algumas ideias em dia, dado que sair para a rua é-me para já impossível. Ideias que têm a ver com a minha situação e aquilo que me rodeia. As ideias e imagens saem sem ordem, nem destino, um "brainstorming" como se dizia nos meus tempos de formação, sob a forma de perguntas, ou de exclamações sem sentido.


Ideia 1: tenho 58 anos, amanhã a Inês faz 33 anos, com a idade dela, eu já tinha uma filha de 7 anos !

Ideia 2: quando a Inês tiver 58 anos, terei 81 anos... terei ?

Ideia 3: saberei cuidar deste meu novo coração, como uma oportunidade de ser melhor do que era ?

Ideia 4: está dificil dominar os maus impulsos, mas tudo recebi, só tenho de agradecer, porquê então essas reacções ?

Ideia 5: quero libertar-me dos pins e dos pams, alguém me diz como?

Ideia 6: a componente espiritual deve entrar na minha vida, como, sem alienação ?

Ideia 7: tenho saudades das pessoas, dos locais, das circunstâncias...

Ideia 8: simplificar, mas como ?

Ideia 9: a dependência que penaliza os outros irrita-me, mas a independência é impossível...

Ideia 10: porque é que uma manif de "gente verdadeiramente à rasca" causa tanto engulho, quando manifestar é um direito, e estar à rasca, um estado real de vida de milhares de jovens; quando tinham a idade deles os que criticam estavam aonde, e de que viviam ?

Ideia 11: dizem que estes jovens deveriam intervir nos partidos, vale a pena?

Ideia 12: mesmo que valha, podes demorar muitos anos para entrar num deles, se virem que vais fazer "sombra".... e se calhar ficas de fora...

Ideia 13: afinal em que ficamos, a intervir ou a gritar slogans na rua ? percebeu senhor professor ?

Ideia 14 e última: quero perceber o que vai dentro de mim para mudar a vida, pois por vezes também me sinto "à rasca".... e para mim o tempo das manifs já passou !

sexta-feira, 11 de março de 2011

Mais um dia de chuva

Desde que saí do hospital que é assim. Gostaria de poder, pouco a pouco, dar os primeiros passos no exterior mas a chuva não deixa. A chuva e o frio que regressou. Assim a casa fica como unico espaço vital, onde me sinto bem, e onde vou procurando refazer coisas.

Aproveitei o tempo para, agora sim, fazer algumas arrumações, dentro das forças que tenho, arrumei livros, medicação, de forma a que as coisas me pareçam mais próximas. Infelizmente há muitas zonas da casa onde ainda não chego, sobretudo as zonas mais altas dos armários e as muito baixas, pois se me puser de "cócoras", já não consigo levantar-me do chão, têm de me ir levantar do chão.

Mas penso que consegui ter alguma qualidade de vida nestes primeiros quatro dias em casa.

Mas a vida é mesmo um aprendizagem, quando nos parece que tudo está certo, tido por firme, vamos de novo aprender a fazer as coisas mais básicas.

Da minha janela veja apenas chuva, mas a chuva é mesmo uma promessa de outras coisas que atrás dela virão, como por detrás do meu estado débil as forças renascerão. Estou certo e estou a fazer uma grande força nesse sentido.

quarta-feira, 9 de março de 2011

As novas rotinas

Recomeço tudo de novo. Já o tinha tentado fazer há um mês atrás, mas tantas complicações impediram que as tornasse as rotinas sustentáveis.
Temos da rotina muitas vezes a pior das opiniões ( como antigo engenheiro da área da Qualidade não posso pensar assim, pois passamos a vida a pregar as vantagens da repetibilidade dos processos), no entanto são as rotinas que nos dão o esteio em que apoiamos os pés sem cair em falso, e nos permitem entrar na banheira, alimentar, deitar, acordar, estar a horas, etc. É sobre essa base que se constrói a criação. Certo, as rotinas vêm do mais básico, mas quando alguém decide por nós as rotinas, quando as fazemos, ou deixamos de fazer, quando outros decidem, então estamos no grau zero da vida....

É desse grau que estou a sair. Assegurando, após dois dias de casa, algumas coisas básicas, sequências de tarefas para as quais a minha força já me deu autonomia. Também, fora do nivel da rotina procuro outras coisas menos "automáticas" como manter este blog "egocêntrico", em que falo sobretudo de mim, para quem de mim quiser saber, manter o diário escrito no qual tudo o que se passou comigo está registado, bem como outras impressões laterais... ler, ouvir música (coisas que há 2 meses não era possível), sobretudo escrever é para mim uma grande "fisioterapia", pois a coordenação neuro-motora carece de treino, pois está um pouco afectada, e o uso de medicamentos imuno-supressores, fazem-me tremer as mãos, pelo que tenho de fixar bem a mão no acto da escrita. Só desenhar ou pintar não me aventurei, mas tudo na sua vez.

Agora nestes dois dias sinto melhoria dia a dia, embora haja coisas a controlar. Tenho tido o apoio do Centro de Saúde de Ourique, médica de família, enfermagem, fisioterapia, em que concelho da periferia dos grandes centros tal se passaria?

E sobretudo tenho tido um grande apoio da Maria Augusta, que que faz o máximo que pode, sem no entanto abandonar algumas das suas obrigações no Instututo Piaget, no que faz bem. Não se pode ajudar os outros, apagando-se a si própria, embora saiba quanto lhe custa. E reduzir a vida ao papel de cuidador é muito redutor, e não sei se seria aquilo que espero.

terça-feira, 8 de março de 2011

A casa

Após tantos dias de perda de privacidade, autonomia e espaço próprio, vital para mim, estou de novo em casa. Dia de Carnaval, chuvoso e frio, como costumam ser por aqui. Aqui não é Brasil, contráriamente ao que muitos pensam nesta época.

O dia foi para integração, habituação a espaços e ritmos, daí ter passado algum tempo apenas a comtemplar os livros, os CD, as paredes, sem nada para preencher esse tempo que não fosse o silêncio, e o sentir deste novo respirar. E respirar em casa é tão bom, longe dos odores, meio assépticos, meio pestilentos de um hospital.

Retomei assim estas rotinas, e da minha janela agora vê-se o verde profundo do Alentejo, a "borregada" a pastar, os sobreiros de um verde muito escuro sobre a cor da paisagem.

Tudo isto após aqueles dias necessários, mas tenebrosos, que não mais passavam. Venho mais frágil, o andar complica-se, mas sinto outra capacidade de recuperação. E fisicamente as pernas agora estão mais controladas pois os problemas estão agora com soluções terapêuticas que, parece, surtem efeito.

Mas só o efeito casa parece ser metade da melhoria.

domingo, 6 de março de 2011

Ultimo post desta estadia...

Penso ser este o último post desta estadia de 23 dias. Segundo já percebi, poderão seguir-se outras, mas um dia de cada vez, esta etapa estará para já ultrapassada, indo concluir-se a casa o resto da recuperação. De facto o hospital é a partir de agora o pior local para estar, dado o permanente risco de infecções que aqui existe, e de bactérias bastante resistentes, que implicam antibióticos específicos. As minhas defesas também estão propositadamente reduzidas.

Conheci aqui várias pessoas transplantadas que vinham ao acompanhamento. Desde transplantados de meses, de 2 ou 3 anos, ou mesmo de mais de 10 anos. A maioria apresenta-se normal, satisfeito com o resultados, apesar de umas mazelas de quando em vez. Os mais recentes referem problemas na fase inicial, desde dificuldade em recuperar os movimentos, falta de massa muscular devido a longos internamentos, edemas, tal como eu, diabetes induzidos pelas fortes medicações, entre outras situações. Para tudo foram tendo solução, excepto para o desleixo, o laxismo e o não cumprimento do que lhes foi recomendado. Casos fatais, também, mas mais associados a comportamentos de risco, do que a rejeição do orgão transplantado.

A lição está tirada e vou de novo para casa consciente disso e da necessidade de valorizar esta oportunidade, apesar das "intercorrências" que podem advir.

Estou cheio de vontade de ter o meu espaço vital, os meus momentos, o meu silêncio, de que tanto preciso, ou o contacto das pessoas de quem gosto. Estar perto dos meus objectos, dos recantos da casa, da largueza dos campos, de poder ir até à barragem poder andar lá, poder espraiar a vista de novo pela distância dos sobreiros, pelas curvas das estradas, ver as estevas, respirar, finalmente respirar de novo outro ar. Dar isso tudo a conhecer ao meu novo coração.

sábado, 5 de março de 2011

Mistério

"Sei que o mistério faz parte do encanto. E não há encanto sem a dificuldade de decifrar" (M.Alegre)

A situação dos próximos tempos, e porque não o passado recente, sendo complexa, será estimulante. O decifrar dos passos a dar pela sobrevivência, por manter e dar sentido á vida que nos foi dada, é encanto, pois é mais uma incerteza que terei de decifrar cada dia que passar.

Rejeição do óbvio, do já conhecido, cada dia, tendo as suas rotinas, é descoberta do novas forças, de novas fraquezas, de novas superações.

Sem isso muita coisa não fará sentido. Um novo passo, uma nova barreira ultrapassada, uma nova descoberta de uma capacidade escondida algures.

Nada está escrito definitivamente. Ninguém está previamente condenado, a menos que se renda. Se estivesse estaria aqui hoje a escrever estas linhas ?

sexta-feira, 4 de março de 2011

Mais perto de casa


Afinal, ao contrário do que pensava terei alta na próxima segunda feira. Foi uma boa notícia de hoje. É sempre uma boa notícia o regresso a casa. No total fiquei aqui 23 dias, mas que alternativa tinha, aguentar !!!!


As terapias aplicadas resultaram, excepto o enjoo de televisão, que resultou numa chatice, embora agora já tenho mais domínio no "comando"...


Claro que ainda vou com algumas mazelas, uma das pernas ainda com problemas de drenagem, e novas medicação a controlar, como a que regula a coagulação. Mas isso é algo que qualquer transplantado tem de ter sempre presente e passou a fazer parte da sua vida, o controlo de uma variedade de medicação imuno-supressora, e a das "intercorrências" como as que me trouxeram de novo a esta enfermaria e à "camita" de hospital. Aqui já começamos a fazer parte da família, e a ela estamos ligados para a vida, pois, ou por rotina, ou por incidentes cá vamos ter de passar muitas vezes.


Agora o que importa é o regresso, e a procura de mobilidade e autonomia de novo.


Recomeçar no meu ritmo, com o que gosto e com quem gosto. Por vezes não sabemos valorizar coisas assim tão simples. Parece tão natural...

quinta-feira, 3 de março de 2011

Li e falou comigo

Ao terceiro dia

Não sei ao certo onde estaria
quando de tanto bater
o coração já nao batia.
Era talvez o lugar onde nada principia
e há um contínuo escurecer.
Ali eu estava sem estar
ali eu era sem ser
ainda aqui e já não
sem sentidos nem sentido
que de tanto ter batido
não batia o coração.

Mas de súbito acordado
vi que mais que um acordar
era como que um saltar
do limbo para este lado.

De onde vinha eu não sabia
mas estava aqui e já não
onde nada principia.
E então senti o correr
desses rios de Sião
por onde passa o bater
oculto do coração.
Naquele terceiro dia
em que vindo do não ser
eu de mim mesmo nascia.

Poema de Manuel Alegre

quarta-feira, 2 de março de 2011

Uff que descanso !!

Felizmente aqui o mestre de cerimónias da TVI teve alta, e consegui, à má fila, apossar-me do comando. Assim a minha sanidade mental melhora, o meu descanso também.

Agora estamos só dois, e estou bem preparado para passar aqui fim de semana e Carnaval, dessa não me livro. Fico para fazer um pouco mais de fisioterapia e conseguir andar bem pelo meu pé, pois do resto sinto finalmente alguns sinais de melhoria. No entanto com tantos feriados, ponte e fim de semana estamos a ver que, farei a físio apenas quinta e sexta, e até quarta estou a encher pneus. Má perspectiva, pois precisava de a fazer todos os dias.

Por outro lado estes períodos são insuportáveis, pouco pessoal, assistência em serviços mínimos, pouco apoio, um grande chatice, só cortada por muitas visitas, que se arrastam pelos corredores.

Estou a ver a Alentejo ainda muito longe...

terça-feira, 1 de março de 2011

O coração anima as pernas complicam

Este é o caso que se está aqui a passar. Depois do transplante, tem-se visto que não tenho pernas para carregar a nova "máquina". Já estou de regresso aqui há 17 dias, e andar ainda é um problema. Nas semanas após transplante estava a andar melhor que agora. A flebite numa das pernas, e a infecção e oclusão na outra, deitaram-me abaixo e está a ser dificil reencontrar caminhos que já tinham sido percorridos. Mas não me derrubam assim.

Os tratamentos feitos têm dado solução, mas tudo é muito lento, e a passagem por este local, uma tormenta por muitas razões. Desde logo por essa lentidão em que a evolução é quase imperceptível, depois pela dependência física, mental, emocional, de ritmo, de tempo, de espaço que aqui se sente, sem espaço nem tempo para criar as minhas rotinas vitais, que me estão retiradas. Apenas penso numa coisa: voltar para casa.

Mas será, como me encontro que é sustentável estar em casa ?

Eu sabia que tudo ía ser sinuoso, e ainda vai ser por muitos meses, mas custa a gente a habituar-se.