quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O meu 25 de Abril (2)

Antes do 25 qual era a consciência que tinhamos daquilo em que se vivia ? Era a guerra, a censura, a repressão, a ausência de liberdades, mas até que ponto tinhamos essa perceção, até que ponto isso nos incomodava vedadeiramente ? Creio que tirando uma muito pequena minoria esclarecida, para a esmagadora maioria tudo se passava com normalidade, a chamada "paz dos cemitérios". Mas como vivendo nas trevas se chegava à luz ? Cada um teve o seu momento, o clique que o fez perceber o que se passava, e nada era aquilo que parecia. Para mim, talvez o dia 25 de Novembro de 1967, e seguintes tenha sido o dia em que a escuridão na minha cabeça recebeu os primeiros raios de luz. Tinha feito 15 anos, e tinha há poucos dias entrado no Instituto Industrial de Lisboa, na Rua de Buenos Aires, equivalente ao actual ISEL. O choque era enorme. Havia uma Associação de Estudantes, distribuiam comunicados que falavam de coisas que conheciamos, mas a que chamavam outros nomes, por exemplo "guerra colonial", " ditadura", "fascismo", entre outros vocábulos desconhecidos para os meus ouvidos de adolescente imberbe. Cartazes, mini comicios, e intervenções nas aulas mostravam um ambiente insólito para um "menino" saido do Liceu de Oeiras, onde tudo era equilibrio, paz e um pouco de musica pop. Por ali era mais duro. Na noite de 25 de Novembro de 1967 aconteceu um terrível acidente meteorlógico que mudou a minha maneira de ver. Uma chuva intensa, enxurradas, e destruição na zona de Lisboa varreu milhares de casas construidas em leitos de cheia, em zonas clandestinas, e arrastou consigo oficialmente cerca de uma centena de pessoas. Os estudantes do IIL mobilizaram-se para apoiar, eu não fui, tinha muito medo de me meter em confusões, mas segundo os relatos que eram feitos na Associação, a situação era dramática, e a grande preocupação do Governo da altura, ainda com Salazar, era de esconder o que se passava, de minimizar os danos, de impedir a ajuda se necessário,  se tal permitisse impedir a informação. O país não podia duvidar da qualidade da "governança" apenas por umas "centenazitas" de mortos. No final diversos comunicados mostravam que as coisas não eram como vinham nos jornais, censurados, e ainda hoje fica por saber qual o verdadeiro impacto (falava-se em mais de 700 mortos). Eu que acreditava nos jornais, na rádio, na TV não, pois não tinha televisão, vi ali a derrocada de muitas das coisas que tinha como certas. E quando aquilo que temos como certo começa a ruir instala-se o "caruncho" da dúvida. E foi aí que se instalou e passei a duvidar do que lia, do que ouvia, pois sabia que podia haver outra versão. Habituei-me a duvidar. E quando a dúvida se instala, tudo na nossa cabeça se começa a abrir para a mudança. Afinal um simples acontecimento meteorológico terá sido o início do "meu 25 de Abril". Noticias do acontecimento aqui.

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