quinta-feira, 3 de abril de 2014

O meu 25 de Abril (34)

A situação da escola, acabaria por ter as suas consequências sobre as pessoas. Uns acabaram por ser incorporados no serviço militar, outros inscreveram-se em outras escolas, pois nada os impedia, em Coimbra, no Porto, ou mudaram de curso, houve mesmo alguns que foram inscrever-se em Lourenço Marques, hoje Maputo, onde abrira a Universidade. Outros desistiram, um ou outro terá sido preso. Comigo também tinha de haver impacto. Embora não sendo "primeira linha", como dizia o Sales Luís, apoiava e participava. As novidades vieram pelo correio, agora o meio privilegiado para o Sales "falar" com os alunos do Técnico. Dia 3 de Janeiro de 1974, o ano acabava de começar e recebo em casa uma dessas cartinhas, em que me era aplicada uma suspensão por um período de três meses. Não era invocado qualquer motivo, qualquer processo disciplinar, qualquer procedimento que tivesse levado a essa decisão. Era uma decisão da direcção da escola, ponto final. Embora tendo comigo o cartão mágico que permitia a entrada na escola, se o tentasse ele seria apreendido, assim não tentei sequer entrar. Acabámos por nos juntar várias vezes em Medicina, e acabei por saber que comigo totalizavam cerca de 60 suspensões, as tais segundas linhas, que se juntavam aos cerca de 20 que já tinham sido expulsos no ano anterior. A suspensão era igual para todos, e aplicava-se "apenas" às aulas, poderia fazer exames nas datas respectivas, mas não poderia assistir às aulas nem entrar no Instituto. Escusado será dizer o impacto que tal situação teve nos meus pais, por exemplo. Mas enfim pensei que fosse pior, pois nesta altura já ninguém esperava que um aluno universitário tivesse vida fácil, apesar de uma "vox populi" que o regime alimentava de que os estudantes eram uns priveligiados, e que em vez de estudarem, como lhes competia, faziam agitação política a soldo dos tais interesses inconfessáveis. E assim foi, não podia ir às aulas, mas ía a reuniões, pelo que o pessoal manteve contacto, ía trabalhar, e já agora aproveitei para retirar de casa uns sacos com livros e comunicados menos "recomendáveis" que um colega meu dos CTT guardou, um que nada tinha a ver com a universidade, não fosse o diabo tecê-las. Ainda fiz um ou dois exames, de cadeiras que tinha em atraso, o que implicava apresentar-me à porta, apresentar o cartão, dizer que vinha para o exame tal, o que era confirmado, e era dada autorização de entrada, mas depois de acabar o exame tinha um período curto para sair, senão o cartão podia ser apreendido. E foi assim que os dias foram decorrendo até 3 de Abril, data a partir da qual podia voltar ao convivio dos colegas. Nessa altura já só faltavam 22 dias para o 25 de Abril e o Sales estava por dias.

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